Abri uma gaveta
E procurei nela
Texto para o móvel
que não falava,
Só que da gaveta
Não saia nada.
Insisti. Abri outras,
As melhores gavetas...
Não havia nada ainda
Que me deixe satisfeita.
Comecei a rabiscar a página,
A deixar nela o retrato
da agonia que é
procurar palavra
De fora pra dentro...
Então, já de dentro,
Fui forçando a barra,
Empurrei com força
Gavetas que estavam fechadas,
Até algumas caírem no chão.
As palavras se espalharam pelo quarto...
Era palavra por todo lado:
tapete, cama, quadro,
mesa, janela, armário,
chão, porta-retratos,
em todos os cantos...
E era palavra de todo jeito:
em cima, embaixo,
pendurada,
aberta, fechada,
amontoada,
cheirando a guardada...
catei o que pude,
mas tudo estava
pelo avesso...
Vesti o verso
Do jeito que tava...
Com as palavras gritando...
saltando, de tão nervosas,
do dedo pro papel...
Olhei na voz
o catado das palavras
E mirei de novo
o móvel que silenciava...
Ele tinha gaveta.
Mudei o contexto:
Abri a gaveta
E guardei o texto.