terça-feira, 24 de novembro de 2015

CADÊ AQUELA OUTRA MULHER?

Eu sei.
Ela estava aqui.
E ela só parecia
Bem.
Mas não estava.
Agora estou aqui,
No meu lugar
De direito,
De causa e efeito,
De ser quem sou.
De ser tema
Do meu próprio
Poema,
Como se antes
Eu já não fosse...

E já não sei
Se era posse
Se era doce
Se era bom
Ser
Quem eu era...
E não sabia
Dessa coisa
Dessa agonia
Dessa necessidade
De escrever
De me contar
De me levar
E me livrar
De mim
Em verso.

Confesso:
Já não sei
Pra onde vou
Ou quem eu sou
Ou quem serei
Ou quem
De mim
Farei rei
Farei rima
Farei sina...
Farejei
Uma pista
Quando escutei
Você dizer
“Cadê aquela outra mulher?”*

Não sei dela.
Só sei
Que não sou ela agora.
E talvez
Meu faro
Possa estar
Por fora,
Mas estou
Toda
Por dentro
De mim.

Sim...
Posso
Não ter respostas
Agora.
Mas terei
Em breve.
Eu sei,
Não fui breve
Dessa vez:
Não abreviei
Nem poupei
Rima e riso.
Guardei o medo
Pra quando
Me for preciso.
Guardei o medo.
Agora sim
O verso é preciso.

 *Música incidental: Santa Chuva, Marcelo Camelo

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

APRISIONADA


Depois que vesti as asas
Não consigo mais tirá-las.
Parece que elas
Fazem parte de mim,
Do que sou agora,
E não consigo me libertar delas.
Entendeu a loucura?
Como se cura
Uma pessoa que tem asas
E, por isso, perde a liberdade?
Que asas são essas
Que prendem ao invés de libertar?
Será que minhas asas
Vieram com defeito
Ou sou eu que enfeito
A dor de não saber voar?
Em algum lugar se ensina o voo?
Ou é um dom, uma arte
E que não souber voar
Que se mate?
Asas que não levam
A lugar nenhum
São fardos,
São correntes,
E pesam.
E doem as costas.
E não tem como disfarçar:
Um par de asas
E a gente
Gastando sola de sapato
Porque tem medo,
Porque não quer encarar o risco.
A gente sobe e desce
A escada, a pé,
Escolhe um degrau
E senta
Pra esperar
A coragem chegar
Pra se lançar lá de cima
E ver se,
Com um grande susto,
As asas, finalmente,
Funcionam.

Por enquanto,
Ainda estão com defeito.
E eu? Continuo aqui,
Sentada na escada.

RASA


Depois que vesti as asas
Não consigo mais tirá-las.
Parece que elas
Fazem parte de mim,
Do que sou agora,
E não consigo me libertar delas.
Talvez eu não saiba ainda
Como lidar com o fato
(E com o fardo)
Que o ter asas representa
E de que elas me levam
Para onde eu quiser.
Talvez eu só não saiba
Para onde quero
Que minhas asas me levem.
Mas o mais estranho
É que, agora eu as tenho,
Preciso libertar-me delas.
Antes só o escuro dos olhos
Pesava sobre mim,
Agora são dois
Os fatores imobilizadores.
E quem diria que
ASAS
Iriam me prender...
A gente até tenta
Cuidar de uma coisa
De cada vez,
Mas dessa vez
É tudo junto
E é tudo meu
E é tudo de uma vez só
E é agora.
E agora?

MERGULHO NO ESCURO



Agora que já posso esconder
Esse escuro que tanto incomoda
Resolvo deixa-lo à mostra:
Taí pra todo mundo ver,
Mesmo pra quem não quer.
Perguntam se eu dormi,
Se eu estou cansada...
E eu,
Com a cara literalmente lavada,
Digo que não posso fazer nada,
Que minha olheira está aí,
Um dia mais, um dia menos,
E que é assim todo dia,
Não adianta agonia,
Não adianta tentar esconder.
Quando escondo,
Ela melhora por fora,
Por dentro,
Ela continua existindo.
A noite é na alma.
E de que adianta acender a luz
Se ela não combate o escuro?
Se no escuro é
Quando melhor posso ver?

Mas ao mesmo tempo que
Resolvo bancar,
Também tento remediar...
Não sou de ferro,
Tento reduzir os danos.
E mesmo sendo este
Um grande engano,
Vou seguindo enganada,
Tentando fazer poesia...
É muita agonia:
A morta-viva,
A que não dorme,
A que sempre está cansada...
E eu poderia  continuar
A enumerar os meus vários
Eus prejudicados.
Mas aqui está escuro,
E não vou repreende-los:
Acolho tudo
O que é escuro em mim
E mergulho nessa noite
Sem pressa para amanhecer.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

INDOMÁVEL



Minhas olheiras tem o meu tamanho.
Olho pra elas e são grandes
E parecem ser para sempre.
Tento domá-las,
Como quem tenta
Domar um leão
Sem ter tido treinamento
Para essa função.
Tento aceita-las e
Parece-me de bom tom
Que eu as aceite.
Mas elas têm o meu tamanho,
O tamanho que eu mesma
Dei a elas
E agora não sei
Como voltar atrás.
Não sei mais como ser
Sem as olheiras
E a importância que agora
Elas possuem em minha vida.
São “olheiras de estimação”.
E como as coisas e pessoas
Que nos são de muita estima
Não consigo deixa-las ir,
Não consigo seguir sem elas,
Logo eu, que sempre as escondia.
Pois agora não há
Esconderijo algum:
Minhas marcas estão
Estampadas na face
Como se eu tivesse
Feito uma tatuagem
Com as marcas da minha alma.
Agora, com a alma
Todo o tempo exposta nos olhos
Pros olhos de quem quiser ver,
Tenho que seguir em frente.
Mas cadê que consigo?
A cada passo que insisto em dar
Tento colocar minha olheira
Em seu devido lugar
Mas ela não me obedece,
Ela é teimosa como eu,
Insiste em ficar
E em ocupar seu lugar
De direito e de grandeza
De quase realeza.
Mas eu continuo tentando,
Quem sabe,
Vencer pelo cansaço.
A vontade que dá
É de esfregar com esponja
Ou palha de aço
Pra apagar do olhos
Esses escuros da alma.
Se o escuro é da alma,
Que fique por lá!
Por que essa minha alma
É tão exibida que precisa
Extrapolar meus olhos
Para se mostrar?
E de pensar
No quanto é louco
Eu me violentar assim
Para apagar de mim
Quem sou
Me assusta e me paralisa.
E eu me agarro ao escuro,
E procuro me encontrar
Ali mesmo, enquanto
Minha noite de dentro,
Minhas olheiras,
Não amanhecem.